SOLENIDADE DE POSSE DE MEMBROS EFETIVOS NA ACADEMIA DE LETRAS E MÚSICA DO BRASIL – ALMUB – BRASÍLIA/DF 09.06.2014
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO DISTRITO FEDERAL – IHGDF
PANEGÍRICO DE CUSTÓDIA WOLNEY À RAQUEL DE QUEIROZ, CAD. 19
Ilmo. Senhor Maestro Sebastião Theodoro Gomes, DD. Presidente da Academia de Letras e Música do Brasil – ALMUB;
Ilma. Senhora Nazareth Tunholi, escritora, jornalista e Vice-Presidente desta Academia;
Caríssimos componentes da Mesa;
Demais Acadêmicos, Senhores, Senhoras.
Lembro-me, há dez anos, quando do lançamento de meu primeiro livro, O preço de um sonho, quando eu me encontrava emocionada e envolvida com o meu primeiro passo, ainda vacilante, na literatura, e um amigo me perguntou por que eu não convidava os Acadêmicos da Academia de Letras e Música do Brasil – ALMUB para o evento. Ele não era escritor, não era músico, mas, sim, um grande amigo que gostava de ler e era apaixonado por nossa música popular brasileira. Ele já conhecia a ALMUB, a importância do seu trabalho na divulgação da Cultura, fosse ela escrita ou cantada.
Na insegurança daqueles primeiros passos, considerei que seria muita pretensão minha convidá-los. Eu só tinha um livro e, embora enchesse meu peito de orgulho ao dizer: “É meu livro! Meu primeiro livro!”, era apenas um livro e eu nem sabia ainda se viriam outros.
Desde então, sempre acompanhei, mesmo que distante, a ALMUB e seu trabalho quase sacerdotal. Escritores, músicos e compositores que se unem em torno da promoção e valorização da arte literária e musical, contribuindo efetivamente para a promoção da nossa cultura. E, assim, hoje, ao ver a porta desta Confraria aberta, recebendo-me com tanto carinho, faz com que eu me sinta em casa, cercada por bons amigos que partilham os mesmos sonhos e objetivos.
Ocupar a Cadeira 19 desta Academia, tendo como Patrona a Romancista Raquel de Queiroz, para mim tem um valor inestimável. É a nossa imortal Rachel de Queiroz! Uma mulher que sempre esteve um passo à frente de sua geração: professora, jornalista, romancista, cronista, teatróloga, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Mulher de múltiplas capacidades e revestida de uma simplicidade singular. Rachel de Queiroz tinha o dom de traduzir sentimentos em palavras.
A obra de nossa Imortal Raquel de Queiroz é revestida pelo pulsar tão bem descrito em seu poema Geometria dos ventos: “Flui como um rio, como o sangue nas artérias… Tão espontânea que nem se sabe como foi escrita e ao mesmo tempo tão elaborada, feito uma flor na sua perfeição minuciosa!”.
É a tradução de sua obra, na qual a escritora deu testemunho desta verdade, em tudo o que se propôs a escrever durante sua vida literária.
Também se percebe que a essência da mulher Rachel de Queiroz vai, aos poucos, sendo revelada nas personagens de sua verve literária, como: Conceição, Guta, Dôra, Maria Moura.
Rachel de Queiroz cresceu em um lar onde a leitura foi terreno fértil e cultivado por seus pais: Daniel de Queiroz e Clotilde Franklin de Queiroz. Descendente, pelo lado materno, do grande escritor brasileiro, José de Alencar, já trouxe em seu DNA a habilidade e sensibilidade necessária à formação de uma jornalista e escritora predestinada a se tornar um ícone de nossa literatura. Levantou a bandeira do romance de pano de fundo social, muito bem expresso em sua primeira obra: O Quinze, publicado em 1930, quando ela ainda contava 20 anos de idade.
Neste, que é um de seus mais importantes livros, a escritora aborda o cenário social da miséria e da seca que assolou o nordeste brasileiro em 1915. O romance, por meio do personagem o vaqueiro Chico Bento, com sua mulher e seus cinco filhos – representa os retirantes que são obrigados a abandonar o pouco que possuem para fugir da seca, atravessando o sertão.
Raquel de Queiroz se mostra, de fato, uma mulher à frente de seu tempo, já neste primeiro romance. Em O Quinze, a personagem Conceição, importante protagonista do enredo, destoa do pensamento feminino da época. É personagem forte que se interessa por política e literatura, contestadora e com aversão ao casamento. Uma postura inovadora para os padrões sociais de então.
O romance João Miguel foi editado em 1932. Nesta época, Rachel de Queiroz fazia parte do Partido Comunista, e ao submeter os originais da obra à cúpula do partido, o mesmo não foi aprovado, pois, no livro, um operário mata o outro. Foi solicitado então que Rachel mudasse o enredo e observasse outras ponderações quanto à obra. Este fato marcou sua personalidade, mulher decidida, comprometida com o que escreve! Rachel de Queiroz rompeu com o partido por acreditar que ele não tinha autoridade para censurar sua obra e seguiu em frente. O livro foi editado sem nenhuma alteração.
O romance “João Miguel” é ambientado em um presídio no interior do Nordeste, onde João Miguel cumpre pena por assassinato. O livro segue abordando as dificuldades encontradas pelo protagonista: sua mulher o abandona, ele sofre as angústias da prisão, da falta de liberdade e de tudo que não pode ser realizado dentro do cárcere.
Nesta obra, como na primeira, Rachel de Queiroz inova, apresentando uma mulher que desconstrói a imagem da mulher comum da sua época. A personagem de nome Santa, esposa de João Miguel, também foge dos padrões sociais, uma vez que não reprime seus instintos sexuais.
O romance, Caminho de pedras, foi editado em 1937. Obra na qual Rachel de Queiroz aborda a desigualdade social da mulher. O enredo nos traz um triangulo amoroso, onde Noemi, protagonista principal, deixa o marido para viver ao lado de outro homem. Um livro envolvente que demonstra a exclusão social sofrida por Noemi, após a separação, inclusive com a perda do emprego. O livro retrata uma seqüência de perdas que ela teve de suportar, dentre as quais a morte do próprio filho.
Nesta obra, Rachel de Queiroz além de trabalhar a questão política e as engrenagens partidárias e autoritárias, mais uma vez se preocupa em valorizar a mulher, sua coragem, determinação e a conquista do seu espaço na sociedade.
O romance As Três Marias foi editado em 1939. Livro que nos traz a história de três amigas inseparáveis, que passam a juventude em um colégio interno, em Fortaleza-CE. Cercadas pelos muros da escola, sonhavam em conquistar o mundo de liberdade que praticamente desconheciam. O livro fala de amor, da procura incessante das jovens em encontrá-lo, suas escolhas e postura diante da vida, após saírem do internato.
As personagens de Rachel de Queiroz, neste romance, nos proporcionam uma abordagem psicológica do pensar feminino e suas divagações em meio a uma sociedade burguesa da época. Nesta obra, a autora desnuda a alma feminina, seus anseios e desejo de liberdade.
Em 1950 escreve o folhetim Galo de ouro, em quarenta edições, exclusivas para a revista: “O cruzeiro”. Esta obra de Rachel de Queiroz só foi publicada como livro em 1985.
O livro aborda o submundo carioca, mães-de-santo, terreiros, policiais e bicheiros, onde a condição humana é tratada com sutil simplicidade, de tal forma que o leitor se percebe dentro do livro tendo sua história de vida ali resgatada. Rachel de Queiroz imprime neste romance a sua sensibilidade tão peculiar, nos oferecendo uma crítica do contexto social de sua época.
O romance, Dôra, Doralina, editado em 1975, apresenta uma trama familiar que tem o sertão nordestino e o Rio de Janeiro como cenário. A história inicia-se na fazenda Soledade, onde a mãe de Dôra, Doralina, conhecida como Senhora, tem um caso de amor com o esposo da filha. Em uma segunda parte do romance, Dôra Doralina, depois da morte do marido e constantes desentendimentos com a mãe, resolve ir para o Rio de Janeiro, onde encontra um novo amor – o Comandante. Porém, mais tarde, retornaria à fazenda Soledade.
Este romance segue o estilo adotado por Rachel de Queiroz em suas demais obras, nas quais a figura feminina é representada como personagem principal, que traz em si o desejo de liberdade, nem sempre alcançado devido à submissão que lhe é imposta pela sociedade patriarcal da época.
A obra Memorial de Maria Moura, último romance de Rachel de Queiroz, foi editado em 1992. O livro discorre sobre a saga de uma cangaceira nordestina. Nele, a escritora mantém-se fiel ao seu estilo, trazendo-nos, novamente, como pano de fundo o nordeste brasileiro, sempre preocupada com as questões sociais e com a figura feminina, traduzida como mulher forte e determinada.
Bem, caríssimos acadêmicos, dileto público, devido à complexidade da trama e ao tempo exíguo de que disponho, não tecerei detalhes sobre a presente obra, não sem antes registrar que, esta, como O Quinze, foi a consagração desta renomada escritora de nossa literatura, Rachel de Queiroz. Muito bem aclamado pela crítica, recebeu prêmios importantes como: “Prêmio Camões” e o “Premio Juca Pato”, ambos em 1993.
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza – CE, no dia 17 de novembro de 1910, eapesar de ter dedicado a vida à literatura, chegou aos 90 anos afirmando que não gostava de escrever, embora o fizesse com tanta propriedade. Faleceu no dia 4 de novembro de 2003, aos 93 anos, dormindo em sua rede, na cidade do Rio de Janeiro.
Muito mais haveria para discorrer sobre este importante nome que é Raquel de Queiroz: seja como cronista, teatróloga, tradutora, seja dissertando sobre os inúmeros prêmios que ela recebeu ao longo de sua trajetória literária, ou ainda da sua participação na política, sempre questionadora e perturbadora, no intuito do bem social. Porém, ative-me em seus romances, uma vez que sou sua discípula e encontro na produção literária de Rachel de Queiroz minha inspiração, quando, também, em meus romances, busco trazer à tona o contexto social no qual estou inserida.
Agora, ocupando a Cadeira 19 desta Academia, fomentarei oportunidades para falar da vida e obra dessa inesquecível escritora, contribuindo ainda mais para sua imortalidade. Esta é a forma que tenho de me aproximar de Raquel de Queiroz e de lhe prestar o merecido Tributo.
Obrigada.
Custódia Wolney