Prêmio Oliveira Silveira: coleção de romances é lançada no Rio de Janeiro
segunda-feira, 19 / setembro / 2016
Foi lançada terça-feira passada (13), no Rio de Janeiro, a coleção de obras literárias vencedoras do Prêmio Oliveira Silveira, promovido pela Fundação Cultural Palmares (FCP) vinculada ao Ministério da Cultura (MinC) que foram: Água de Barrela, Sina Traçada: um homem livre que não se curvou aos grilhões da sociedade, Sobre as vitórias que a história não conta, Haussá 1815 – Comarca de Alagoas e Sessenta e seis elos. Em sua primeira edição, o Prêmio trouxe como proposta a produção de romances e como tema a realidade afro-brasileira. Os livros foram apresentados e autografados por seus autores, cujo primeiro lançamento ocorreu em Brasília, ao público carioca como parte da programação Paralímpica da Casa Brasil.
O presidente da Fundação, Erivaldo Oliveira, destacou a importância do hábito pela leitura. “É por meio dos livros que o homem registra sua história e as que compõem esta coleção precisam ser contadas. Junto à outras obras elas têm o poder de mudar o rumo da humanidade”, disse, referindo-se às versões inéditas publicadas que detalham aspectos da História do Brasil a partir das vivências dos personagens dos romances.
Busca pela verdadeira História – A escritora Eliana Alves dos Santos Cruz, autora de Água de Barrela, recordou que o Museu do Amanhã, próximo de onde foi lançada a coleção, se trata de um ambiente que remete à reflexão. “De que adianta projetar o futuro quando não se olha para o passado?”, questionou, recordando que também no Rio de Janeiro está situado o recém-descoberto Cais do Valongo, porto que no Século XIX foi local de desembarque de escravizados trazidos da África para o Brasil e que foi escondido por séculos por uma praça preparada para receber a imperatriz que casaria com Dom Pedro II.
Eduardo Carvalho, autor de Sessenta e seis elos, concordando com a autora disse que “a Fundação Palmares tem sido responsável pela realização desse grande momento para a história da literatura nacional visto que muitas histórias foram negligenciadas, como a história de tantos negros escravizados que passaram pelos calçadões de pedras listradas do Rio de Janeiro”, ressaltou.
A produtora e atriz Naira Fernandes, presente no evento, falou sobre a implementação da Lei 10.639/2003 que trata da inclusão de conteúdos sobre a História da África e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar. “A Lei foi uma das contribuições para que a sociedade repensasse a presença do negro nos espaços sociais e para que o próprio negro assumisse sua identidade, se percebendo como indivíduo com personalidade dentro de uma diversidade”, ressaltou. De acordo com ela, são necessárias mais iniciativas que, como o edital do Prêmio, promovam a produção de conteúdo que possa ser utilizado para a implementação da Lei.
Desafios à literatura negra – Um debate que surgiu em torno da importância do Prêmio Oliveira Silveira foi quanto ao ciclo de demanda e produção de obras referentes às temáticas negras. Em uma breve análise entre os autores e convidados, Eliana concluiu que tais livros não são prioridades às editoras devido à falta de procura. “Não são temáticas que atraem as grandes replicadoras de livros, o que dificulta a disseminação das informações, da cultura e da própria identidade para que os jovens se sintam representados”, afirmou.
Antônio Pereira, estudante fluminense de Psicologia que foi prestigiar o evento, atribui a problemática a um fator cultural. “No Brasil é baixo o gosto pela leitura, principalmente quando os temas ressaltam assuntos passíveis de preconceito e discriminação”, completou. Para ele, outro aspecto, é o baixo número de autores negros, ou autores que tratem dessas temáticas, em destaque na mídia e que sejam referências para o grande público.
Vanderlei Lourenço, Coordenador-Geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC/FCP), destacou que o Prêmio Oliveira Silveira tem o papel de oferecer visibilidade a esses autores e suas produções. “Esta foi a primeira, mas com outras edições, outros prêmios virão para suprir uma deficiência de romances que tratam especificamente da temática negra”, completou. André Luiz, autor de Sobre as vitórias que a história não conta, destacou que o edital tem uma importância à sociedade muito grande, uma vez que permite que a história dos negros seja contada de um ângulo diferente.
George Cleber, membro da comissão de seleção e idealizador e realizador do Festa Literária da Zona Oeste (FLIZO) que avaliou os romances, ao falar sobre o Prêmio Oliveira Silveira ter sido lançado no Boulevard Olímpico – momento ímpar no Rio de Janeiro – mencionou a oportunidade que a Fundação Cultural Palmares tem de fazer a diferença no protagonismo negro, ao incentivar cada vez mais a produção e divulgação da cultura afro local, como exemplo os quilombos urbanos existentes no Rio.
Também compareceu ao lançamento Fernanda Felisberto, membro da comissão de seleção do edital, pesquisadora das narrativas de mulheres negras, Mestre em Estudos Africanos, com ênfase na literatura nigeriana contemporânea. Fernanda explicou que o lançamento desses livros no Rio de Janeiro foi muito significativo. Primeiramente pela Academia Brasileira de Letras estar sediada no estado e seu fundador, Machado de Assis, ter sido um jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo negro. Segundo porque o romance que ficou em primeiro lugar no edital foi o de Eliana Cruz, escritora nascida no Rio de Janeiro. Também lembrou que o fato dos romances serem lançados em outras capitais possibilita que a literatura com temática afro-brasileira circule além do eixo Rio-São Paulo.
Custódia Wolney, autora de Sina Traçada, falou sobre como o tema da sua obra, guerra dos malês, a cativou. Relatou que o romance que escreveu trata-se dos “guerreiros africanos que não se curvaram à escravidão, que lutaram até as últimas consequências pelo direito de igualdade, liberdade, direito de professar sua fé, suas ideologias. Homens que vieram de diferentes reinos africanos, que falavam árabe, convertidos ao Islã, que traziam no peito um amor profundo aos orixás. Chegando ao Brasil se uniram e tentaram colocar na Bahia um governo mulçumano”. Wolney destacou que sempre busca em seus trabalhos resgatar a historicidade brasileira.
O presidente Erivaldo completou dizendo que um livro muda a história de um homem e de toda a humanidade. “Temos que propagar cada vez mais conhecimentos e fatos que não estão registrados na história oficial. A sociedade ganha e cada um desses autores passam a ser imortalizados por cada uma das grandes obras que escreveram”.
Entre os convidados do evento esteve Elisa Larkin, viúva do grande ativista Abdias Nascimento, que também como escritor foi referência da literatura negra e deixou grandes obras como Jornada Negro-Libertária, Orixás: os deuses vivos da África e O Quilombo.
A noite do lançamento teve continuidade com um coquetel e foi encerrada com a abertura da Exposição Raízes, de Sophia Costa no Centro Cultural Fundição Progresso.