Romances vencedores do Prêmio Oliveira Silveira são lançados em Salvador
quinta-feira, 27 / outubro / 2016
Por Emiliane Saraiva Neves
Diante de um espetacular pôr-do-sol, com vista para a Baía de Todos-os-Santos com seus barcos e veleiros, a Fundação Cultural Palmares lançou em Salvador no estado da Bahia, na sexta-feira (21), os livros vencedores do Prêmio Oliveira Silveira. A paisagem escolhida para o evento foi a mesma que inspirou muitos escritores e que acumula diversas histórias desde seu descobrimento em 1501.
Sendo a segunda maior baía do mundo, com mais de 50 ilhas, a Baía-de-Todos os Santos foi o cenário de batalhas, como a Batalha de Pirajá (1823), quando a participação popular de negros, índios e mestiços contribuiu para Independência da Bahia. Local onde sua incrível beleza inspira poetas e cantores. Também é lembrança, ainda bem vívida, da resistência e luta de africanos que vieram escravizados para o nosso continente e com sua bravura e cultura, construíram a identidade nacional.
Bahia é a terra de Custódia Wolney, nascida em Barreiras, autora do livro Sina Traçada – uma das cinco obras contempladas pelo edital – e também palco onde a história escrita por Eliana Cruz em Água de Barrela (romance que ficou em primeiro lugar no prêmio) acontece.
Sobre o lançamento dos livros, que aconteceu no Centro de Cultura da Câmara Municipal de Salvador, Eliana relatou que: “É uma emoção indescritível estar aqui nesse lugar, tão próximo do Pelourinho, cenário do livro. Vários personagens transitaram nessas ruas. Estiveram nesse elevador, subiram e desceram. Meu avô, um dos personagens do livro, Mateus Cruz, foi quem renovou o maquinário do Elevador Lacerda na década de 90. São marcos, lugares muito emblemáticos. E o que vai ficar para sempre, para mim, desse lançamento é que os descendentes dos personagens do livro, parentes que nunca se viram, que só trocaram mensagens e se uniram em função da pesquisa do livro, estão reunidos aqui hoje, pela primeira vez.”
Todos que foram prestigiar o evento puderam levar exemplares dos livros e os cinco autores ficaram à disposição para autografá-los. Os livros e seus respectivos autores são: Eliana Alves dos Santos Cruz, com o livro Água de Barrela; Júlio César Farias de Andrade, com Haussá 1815 Comarca das Alagoas; André Luís Soares, com Sobre as vitórias que a história não conta; Maria Custódia Wolney de Oliveira, com Sina traçada; e Luiz Eduardo de Carvalho, com Sessenta e seis elos.
Custódia demonstrou “imenso prazer ao vê-los ganhando asas” sendo lançados pelo país. Para ela, “livros têm o poder de encantamento, tocam o coração das pessoas. E quando toca, as transforma. E essa transformação contribui para um mundo melhor”.
Para Fabya dos Reis Santos, secretária da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi), que esteve presente, o evento se conecta com a Década Internacional de Afrodescendentes, em que os eixos são reconhecimento, justiça e desenvolvimento. Ela entende que os livros ajudam a consolidar os direitos conquistados pelos povos negros e tradicionais.
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Erivaldo Oliveira, trouxe ao conhecimento da plateia as ações da Palmares. Mencionou a reestruturação da representação da Fundação em Salvador; a reavaliação de convênios; a busca pelo trabalho interdisciplinar dos Ministérios em favor da cultura afro-brasileira; a aplicação da Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana e aprovação de emendas.
Lúcio Vieira Lima, deputado federal (PMDB/BA), que estava no momento, disse que “investir em cultura é investir em educação, é investimento em um país melhor. Não existe um povo com futuro que não preserve a sua história. Nessa fase de grande modernismo onde o mundo avança em uma velocidade enorme na ciência e na tecnologia, é muito importante nós termos guardado, como se fosse em uma cápsula do tempo, nossa cultura. E nada melhor para funcionar como essa cápsula, do que as páginas de um livro”.
Compareceram 40 representantes de terreiros, entre eles: Pai Alcides; Ilê Yá Oman de Mãe Lídia; Ilê Axé Omi Jijarun, Terreiro do Viviadeus de Santo Amaro de Pai Eduardo; Ilê Axé de Oxum de Mãe Lina; Ilê Axé Oju Oman Oká de Pai Sérgio; Ogán Tonho; Ilê Axé Titolobi de Pai Elson; Ilê Axé Oman Ejo de Mãe Romilda; Ilê Axé Obé Lalay de Pai Tbo; Egbomy Kátia Vivadeus, Babakekere do Oju Onirê, Gerisvaldo e Terreiro Mutalambô de Pai Rogério, Ekede Marinalva, Yá Egbe Miroca e Egbe Ekede Tina. Edgar das Neves, da Sociedade Protetora dos Desvalidos, Edméia Reis do Museu Nacional de Enfermagem Anna Nery.
Eleonice Sacramento, pescadora e quilombola da Comunidade de Conceição de Salinas no Recôncavo Baiano, durante o lançamento nos compartilhou sua percepção: “Penso que é extremamente importante termos literatura que falem da nossa história e do nosso povo. Existiu no passado e existe ainda hoje, uma tentativa de apagar nossa identidade. E por isso, precisamos que nossa história seja a cada dia reafirmada. Apesar dos pescadores e pescadoras serem guardiões de uma tradição milenar, para a sociedade brasileira somos vistos de uma perspectiva poética ou somos figuras mitológicas. Como se fôssemos seres distantes, mas somos mais de um milhão de pessoas produzindo alimentos nesse Brasil. E na Bahia, apesar de parecer que nossa presença é muito forte, não existe um respeito a quem somos, à tradição negra. Todo arcabouço cultural e nossa contribuição para a construção da sociedade é negada. Existe uma invisibilidade da nossa importância. E cada dia vemos a necessidade de falarmos da gente e para gente.”
Após as falas das autoridades e a sessão de autógrafos a noite prosseguiu com um coquetel e foi finalizada com uma declamação de um poema do poeta baiano, Antônio Frederico de Castro Alves. Está previsto o lançamento dos romances vencedores do Prêmio Oliveira Silveira em Macapá, Maceió e em São Paulo, ainda em 2016.